sexta-feira, 12 de junho de 2009

A sabedoria das aranhas[1]

Anderson Fontes Dias [2]

“Quando mais necessitamos de sabedoria é quando menos acreditamos nela”
(HANS JONAS, O princípio responsabilidade, p. 63)

Há ainda quem diga que a solução para os problemas de caráter ambiental do mundo no mundo em que vivemos (problemas estes que creio que todos sabem ou tem alguma noção de quais sejam), está no homem e com o homem.
Pensando nas possibilidades de justificativas desta hipótese, sentado na cadeira ante a escrivaninha, encolhido por causa do frio, viajei com o meu olhar até onde minha coluna cervical me permitia, uma vez que não sou uma coruja. Olhei o teto, a janela, a porta, o piso de madeira; olhava, como que procurando em algum lugar algo que me ajudasse a responder as minhas perguntas. Foi aí que reparei nelas, discretas, quietas e imóveis no “pé-direito” do canto esquerdo do quarto. Lá estavam duas aranhas destas fininhas, pernudas, quase transparentes, agarradas às suas próprias teias, me olhando com todos os seus olhos, suspensas sobre o abismo de um quarto branco.
“As aranhas eram a solução”, pensei! Ou melhor, nas aranhas encontrei uma solução!
Percebi que o mundo das aranhas, pelo menos daquelas que estavam no meu quarto, é a sua teia, pela qual ela vive, convive e sobrevive. Ela não a destrói, não a negocia, não aluga e não troca. Se rompidas por algum transeunte distraído ou bem intencionado, procura fazer logo a sua restauração e está sempre disposta a fazer a manutenção, trocando os fios arrebentados, esticando os curtos, alongando os longos e enrijecendo os frágeis. Geralmente a aranha é uma boa vizinha, pois, afinal, precisa por exemplo, dos galhos das árvores para construir seu mundo ou, no caso, de um canto qualquer de algum quarto.
Fico imaginado o trabalhão que ela tem para fazer aquelas obras primas que com uma vassoura na mão fazemos questão de varrer de nossas vistas. Dizem que pelo fato de ter que renová-la freqüentemente e isso exige bastante energia, ela se realimenta da seda que constitui o fio da teia, ou seja, ela não sai jogando por ai aquilo que usou como algo que parece não ter mais utilidade, ela simplesmente faz uma reciclagem! Sem falar na estética ali presente pelas formas geométricas, pelos ângulos acabados, pela leveza e pela força que possuem. A sabedoria técnica deste artrópode aracnídeo que é impressionante!
Impressionante, também, é a certeza da incerteza da sua vida, que é, em certo sentido, a vida de seu mundo eternamente pendurado no ar! Pois tudo na teia está relacionado com tudo; o mais simples fiozinho suspenso se comprometido pode comprometer todo o resto, uma vez que, o todo só é todo por causa daquela parte, ainda que ínfima. A aranha de fato é a grande responsável pela sua teia, mas ela precisa, embora não saiba, de todo resto.
Nós homens soberanos na criação, “coroados” de glória e esplendor pelo criador, somos e vivemos tal como as aranhas, em uma teia, embora disso não saibamos, ou não queiramos saber. Longe da visão analítica e atomizada do mundo, a aranha parece nos ensinar, e cabe a nós aprender e, na verdade, reconhecer que somos seres dependentes e interdependentes; que tudo no mundo que existe, se existe, na verdade, coexiste. E isto é ecologia, como diz Leonardo Boff.
Por isso, o fato do mundo celebrar o dia do meio ambiente e da ecologia é, no fundo, celebrar o próprio mundo, a terra, o céu, o oceano e tudo que há nele; é refletir sobre nosso lugar e o cuidado que temos que ter com ele, que na verdade é conosco mesmo; é provocar aqueles que numa atitude simplória dão risada e debocham dos “ecochatos”, aqueles vivem e acreditam que podem viver sempre despreocupados e desinteressados, alienados dos problemas decorrentes de uma mentalidade prepotente, de superioridade ante a natureza, e de todos os riscos que o nosso sistema ecológico corre atualmente; celebrar o cinco de junho é discutir a fundo o problema da crise ecológica, como crise de falta de consciência ecológica. Mais que um problema de caráter tecnológico, em que só a ciência teria voz, é um problema humano e de tudo que está em sua teia, de tudo e por tudo o que ele e nele também se relaciona.
Já é hora, como bem nos diz o filósofo Hans Jonas, de pensarmos numa nova natureza do nosso agir, e assumir a responsabilidade pelo futuro do nosso mundo, em vista do todo e para o todo, que em si contemplaria todas as partes!
Precisamos urgentemente de sabedoria para compreender o que precisamos ser e, assim, poder fazer algo pelo cuidado do nosso ecossistema. Mas, infelizmente, parece que “quando mais necessitamos de sabedoria é quando menos acreditamos nela”, ainda que seja a sabedoria das aranhas.
[1] Crônica apresentada ao Instituto Superior de Filosofia Berthier, para o Projeto: Crônicas Filosóficas.
[2] Acadêmico do V semestre do Curso de Bacharelado em Filosofia do Instituto de Filosofia Berthier (IFIBE).

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