terça-feira, 30 de setembro de 2008

Divã

Marciano Pereira [1]

Terça-feira, dia cinco de agosto, encaminho-me para a terapia, embora não me considere louco costumo freqüentar o Divã, lugar onde sondo meus sentimentos, resolvo minhas crises. Mas, para chegar ao consultório preciso passar pela Avenida Brasil num horário de congestionamento. Incomoda-me terrivelmente a falta de paciência ou de “humanidade” de alguns motoristas, ou dos automóveis - máquinas que parecem autônomas, cujas buzinas, super-potentes, gritam frases insensíveis do tipo: “saí da frente”, “filho da piii”, quando não imitam som de animais, como cavalos e burros, etc. As máquinas, bonitas, últimos modelos, ou já antigas e mais propensas a poluir o ar e nossos tímpanos, seguem em frente imponentes. Esse é um dos dramas das grandes cidades - poluição sonora – o que nos falta mesmo é calmaria, paz exterior e interior. Até quando vão imperar as buzinas gritando, rosnado e mugindo? Pior ainda, até quando irei para o divã e serei chamado de burro ou de cavalo por máquinas que me flagram atravessando lentamente a faixa de pedestres?
Quanto aos homens, são eles os construtores das máquinas, criadores das tecnologias, da fala, do rosnado e do mugido, em nome do progresso, a serviço da técnica. Pergunto-me incessantemente: são coisas estranhas estes homens ou simplesmente homens convertidos em coisa? Parece confundível, mas se distinguem, é pena, porém, que de qualquer forma grita a coisificação do homem, sucumbe a sua racionalidade. Há um desconcerto, pois o bom humor de alguns acarreta em angústia, cansaço psíquico de outros. O que importa é produzir, criar, inventar, para consumir, gastar, e bastante, pois as buzinas falantes e animalescas não são baratas.
E o meu divã? Continuo a caminho, preciso fazê-lo! Enquanto isso fico irritado com as máquinas, preocupado com os maquinistas: quem sabe um dia possa haver uma buzina diferente, que grite: paz e bem! Enfrente! Cuidado! Vai em paz! Fique bem! Ou que, finalmente, cante como na melodia do Pe. Fabio de Melo: “Amor é tudo o que a gente quer meu irmão, amor é o que a gente é”.


[1] Acadêmico do IV semestre do curso de bacharel em filosofia pela Instituto Superior de Filosofia Berthier – IFIBE e seminarista da Diocese Nossa Senhora da Oliveira de Vacaria.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Direitos Humanos e Sociedade Capitalista[1]


Jonas Machado[2]

Este texto tem por objetivo fazer um comparativo entre os principais artigos do Título II da Constituição Federal do Brasil e a realidade vivenciada nos parâmetros da sociedade capitalista atual. Tudo isto, partindo do pressuposto que no Título II encontra-se tipificado os direitos e garantias fundamentais inerentes a pessoa humana.
Começamos citando o caput[3] do artigo 5º que reza sobre os direitos e deveres individuais e coletivos e descreve o seguinte: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (CF, art. 5º caput, 1988). Fazendo uma análise de nossa sociedade perceberemos que o direito à igualdade, já implícito na primeira frase do artigo, constitui-se numa violação passivelmente aceita por todos, tendo em vista que é requisito ao êxito do sistema capitalista. Numa sociedade desigual, consequentemente alguns possuirão propriedades outros não, isto já caracteriza a segunda violação. Quem não possui propriedade, logo não possui segurança, considerando que hoje em dia o material é mais importante que o humano. Sem propriedade, sem segurança e em condições desiguais alguns migram para a criminalidade e aí afetam a segurança dos favorecidos pelo sistema. Assim, dá-se por completo a terceira violação de direitos. Por fim a estes que compõem a criminalidade como penalidade o sistema impõem a restrição da liberdade, quando não da vida. Destarte, completa-se a violação dos direitos individuais e coletivos e confirma-se a insuficiência do cumprimento de tal artigo.
Continuando com nossa análise apossamo-nos do artigo 6º que regulamenta os direitos sociais, tipificando-os dessa forma: “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a providência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados” (CF, art. 6º, 1988). Reportamo-nos aos principais direitos deste artigo, ou seja, a educação, a saúde e o trabalho. A educação é precária em nossa sociedade, de modo que aproximadamente 10% da população é analfabeta. As vagas nas escolas públicas não suprem a demanda de alunos, e os que conseguem uma vaga deparam-se com um ensino de baixa qualidade, de forma que muitos alunos chegam até a quinta série sem saber ler nem escrever. Tudo isto, majorado pela falta de professores e os baixos salários que nem de longe incentivam a ocupação destas vagas. Na saúde, a situação não é outra, pois quem não possui um plano privado de saúde está fadado à insuficiência do sistema de saúde pública, bem como ao caos das emergências nos hospitais públicos. A fila na espera por uma consulta ou, pior ainda, por um transplante constitui-se numa longa jornada que as vezes nos restringe o direito a vida. Por fim, e para delimitar a crítica, a situação do trabalho segue a mesma lógica, tendo em vista que o desemprego está em torno 7,9% da população, e obviamente que este é um problema sem solução, pois o desemprego constitui-se em pressuposto essencial a manutenção do sistema capitalista. Há ainda, os constantes flagrantes de trabalho escravo nos grandes latifúndios Brasil a fora. Assim, comprovamos que os direitos regulamentados no artigo 6º também estão longe de alcançarem sua realização no âmbito da prática.
Por fim, ainda dentro do assunto que nos dispomos a tratar, citamos o artigo 7º que trata dos direitos dos trabalhadores, para sermos mais precisos indicamos seu inciso IV, o qual relata que o trabalhador tem direito à um: “salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim” (CF, art. 7º IV, 1988). Obviamente que com os atuais R$ 415,00 não podemos gozar nem de dois requisitos de tal artigo e estamos muito longe dos R$ 2.072,70 de salário necessário segundo cálculo atual do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE). Porém, ainda nos resta a esperança daquele pressuposto que estipula o reajuste periódico para preservar o valor aquisitivo do salário. Assim, mais uma vez constatamos uma violação de direitos e a insuficiência do meio legal nas suas determinações.
Diante do já exposto, percebemos que os direitos regulamentados na Constituição Federal estão em perfeita discrepância com o modelo de sociedade até então estabelecido. Não podemos afirmar que estes direitos são impossíveis numa sociedade capitalista, mas atualmente estão num plano utópico. Portanto, os direitos humanos devem constituir-se numa prática constante em busca de sua perfeita realização. Sobretudo, que busque alcançar os objetivos previstos no artigo 1º inciso III e no artigo 3º inciso I da constituição e que são respectivamente: “a dignidade da pessoa humana” e o “construir uma sociedade livre, justa e solidária”.
REFERÊNCIAS:

ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Vademecum universitário de direito. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2002.

DIEESE. Banco de dados. Disponível em: http://www.dieese.org.br/. Acesso em: 29 de jul. 2008.

[1] Texto apresentado ao Instituto Superior de Filosofia Berthier – IFIBE – como requisito parcial a aprovação na disciplina Direitos Humanos, sob orientação do Prof. Ms. Irio Luiz Conte.
[2] Acadêmico do 5º semestre do curso de graduação em filosofia do Instituto Superior de Filosofia Berthier – IFIBE.
[3] Vem do latim e significa cabeça. Neste caso, refere-se ao principal enunciado do artigo, tendo em vista que alguns artigos além do caput possuem incisos, parágrafos e alíneas.